sexta-feira, 21 de maio de 2010

LUTO POR UM PAI VIVO - por Carole Mendes e Thatiana Seixas


Luto por um pai vivo

A história, o sentimento e a realidade de quem foi abandonado

A estudante baiana Ana Cristina Bispo dos Santos, a Lalica, de 20 anos, trabalha, estuda, ajuda a mãe com as tarefas domésticas e ainda brinca com os quatro irmãos mais novos. Sua história poderia ser como a de uma jovem comum. Isso se a estudante não lidasse, desde cedo, com o abandono do pai.

Filha de mãe e pai jovens, de 15 e 19 anos respectivamente, Lalica já nasceu com os pais separados. “Ele se envolveu com uma amiga de minha mãe quando ela estava grávida de mim. Por causa dessa amiga ele se afastou e não quis nem me registrar” conta ela.

A Síndrome de Alienação Parental, assim delineada pelo americano Richard Gardner, psiquiatra e professor da Universidade de Columbia, tem várias vertentes e está sendo mais discutida atualmente pelo grande crescimento de casos. Isso gerou um projeto de lei, que está tramitando no Senado, no qual Alienação Parental passa a ser crime.

Essa situação pode ocorrer de diferentes formas. Basicamente é gerada por familiares, principalmente pelo pai ou pela mãe, que instiga o filho a odiar o outro genitor.

No caso de Lalica, em que o genitor alienado é o próprio responsável pela sua ausência na vida da filha, é a Síndrome de Órfãos de Pais Vivos, que ocorre quando uma criança sofre abandono por parte de algum dos genitores, ou pelos dois. As desculpas para tal comportamento são inúmeras, como não se comprometer financeiramente, a formação de uma nova família, ou não querer conviver com o fruto de um relacionamento fracassado.

O psicólogo Anderson Chalhub, mestre e doutorando pela UFBA (Universidade Federal da Bahia), com uma tese a respeito de crianças e adolescentes que sofreram algum tipo de abuso ou abandono, acredita que crianças que sofreram essa ausência vivem o luto de ter que “matar” emocionalmente seu pai ou mãe ainda vivos.

No caso de Lalica, sua mãe teve que entrar na justiça, solicitando que o pai registrasse a menina e pagasse pensão alimentícia. “Ele me registrou quando eu tinha dois anos, e me deu pensão até os sete. Depois, ele não procurou mais emprego com carteira assinada, para não ter a obrigação de me bancar” relata. Quando argüida sobre aquilo que sentia mais falta em relação ao pai, Lalica diz que gostaria de sua presença, tê-lo como provedor financeiro e amigo para dar o apoio emocional necessário: “Quando eu mais precisei, eu não tive o apoio do meu pai. Eu sou órfã de pai vivo. Eu queria que ele passasse por mim e desse pelo menos um ‘bom dia’. Mas se eu não falar com ele, ele não fala comigo. É muito triste isso”, desabafa.

Seis anos depois do nascimento da estudante, o mesmo homem, segundo sua mãe, forçou outra relação. Deste ato foi gerada Vivian de Jesus dos Santos, que até hoje não foi registrada. “Meu pai era casado na época. Ele tinha medo de me assumir. Pediu o exame de DNA, e mesmo com o resultado positivo, dizia que eu era filha de outro” explica a adolescente de 14 anos. Do que Vivian sente mais falta? “Do amor, de ter um pai presente, que me dê as coisas, que se preocupe comigo”.

Apesar de ausente na vida das filhas, o genitor mora no mesmo bairro que elas, e constituiu outra família, onde desempenha o seu papel de provedor e educador. Lalica afirma ter uma boa relação com a família paterna. “O problema é ele”constata.

As irmãs relataram que durante muito tempo nutriram expectativas em relação ao pai. E hoje, apesar de gostarem dele, ambas afirmam que as necessidades do papel paterno já foram preenchidas pelo padrasto, e que seria difícil restituir o tempo perdido.

Chalhub explica que, ao viver esse abandono, por uma estratégia de sobrevivência, “é possível adotar outras pessoas como referenciais basilares na construção de uma identidade: avós, padrasto, madrasta. Mas, essa criança, ou adolescente, poderá sempre se perguntar ‘por que eu não fui digno do amor do meu pai? ’ e isso é muito doloroso”.

O psicólogo afirma que esses filhos negligenciados podem ‘vestir uma capa de forte e bem resolvido’ ou adotar uma postura de se enxergar como um injustiçado pela vida. “É preciso mostrar a essas pessoas que vale a pena elas investirem em si mesmas”.

Nem sempre o final de um casal será feliz, mas a responsabilidade de um pai pela vida do seu filho é vitalícia. Na separação, não é justo que o filho seja o mais prejudicado (para não dizer o único). Pequenos gestos, enorme repercussão. Um pouco de negligência, um enorme dano. Um pouco de amor e responsabilidade, constituição de uma vida saudável.

2 comentários:

  1. Para a matéria Práticas de Reportagem e Linguagem Jornalística.

    ResponderExcluir
  2. Play Online Casino Slot Games at the Best Online Casinos
    If you're into slot games 제왕카지노 and games, then you've come to the right 샌즈카지노 place. As a deccasino professional gambler, you'll discover an array of free casino

    ResponderExcluir